24 de abr. de 2014

O BEIJO DA MULHER ARANHA

O BEIJO DA MULHER ARANHA Inspirado na obra literária do escritor argentino Manuel Puig Direção Geral – Hertz Félix Elenco: Jorge Luiz Vieira – Elder Ferrari – Hertz Félix Sonoplastia – Ronaly Barbosa Iluminação: Netinho Nunes

Estréia: 31 de maio e 01 de Junho – Teatro João Gilberto – 

às 20h

A disparidade de argumentos presentes nos diálogos entre Molina e Valentin consegue convergir numa proposta de vida politizada. Enquanto Valentin acredita numa revolução da sociedade, Molina preza pela revolução pessoal; no decorrer percebe-se que ambos querem a mesma coisa (uma mudança social concreta) e que descamba numa junção de ideais dos dois personagens. Enfim, a beleza do espetáculo é porque de forma simplista consegue apoderar-se de um cotidiano, que por muitas vezes é imperceptível aos nossos olhos. É uma história, da forma como as coisas acontecem, da nossa liberdade num lugar "fechado" e o nosso cárcere num lugar "aberto". A história de dois prisioneiros imersos na solidão, no desespero e na angústia de uma prisão. Elder Ferrari interpretando Valentin, o jornalista preso por suas convicções políticas, ideologias e percepções de mundo. E o outro é um homossexual preso por ter feito sexo com um menor de idade, marcado pela frustração de uma sociedade que não o aceita, de viver preso dentro de um corpo de homem, na ânsia por amar e ser amado; e ser uma mulher de fato. Molina, interpretado Jorge Luiz Vieira, é daqueles ícones já feitos para ser imortalizado na história do teatro de nossa região. Um personagem contundente, complexo, cheio de nuances. Eu, como diretor da peça, estou sendo bastante cuidadoso, pois procuro trazer ao público um pouco da complexidade psicológica e comportamental desses dois homens trancafiados dentro de uma cela. Dois seres humanos tão díspares, imersos numa dolorosa realidade, tendo que se confrontar verbal e emocionalmente. O ponto mais cativante e envolvente deste espetáculo é justamente na forma como o texto lida com as perspectivas pessoais de Valentin e Molina. No limite do ódio ou mesmo de um sentimento gradual de amizade que nasce entre eles — ou seria um amor não compreendido? —, percebemos ali que o ponto de discussão é mesmo o confronto sociológico e humanístico que o texto narrativo quer abordar. Através de diálogos fortes dos dois, bastante íntimos e de extrema sensibilidade, nos tornamos próximos das realidades de cada um. A crítica ou mesmo caracterização à homossexualidade é perceptível através da personificação de Molina que exerce o tom da sexualidade na peça. Jorge Luiz Vieira expressa bem o homem que sofre pela condição de ser gay, de ter que se assumir e ser aceito numa sociedade mórbida e predatória, cheia de preconceitos. O espetáculo fundamenta muito bem a trajetória deste homem, desde fora da prisão com seus casos e idealizações libidinais — em especial quando narra seu passado ao desejar sexualmente um garçome a típica frustração de nunca encontrar o “homem perfeito” que o satisfaça. A maneira como a peça nos coloca a par da intimidade e do caráter motivacional da homossexualidade de Molina é bem instigante. Ora ele é extremamente excêntrico, principalmente quando travestido; ora age como um homem introspectivo, contido e gentil. E há também o contexto político através do Valentin, o indivíduo altruísta que quer modificar o plano da corrupção de mundo através de suas lutas, preocupado com o mundo, cheio de ideais. Em contrapartida, o espetáculo transparece a personalidade forte e uma masculinidade proeminente deste indivíduo, particularmente aos olhos de Molina, numa representação de virilidade e testosterona. Já Jorge Luiz Vieira concentra seus trejeitos afeminados, gestos delicados e uma fragilidade condizentes com o tom feminino de Molina que se opõe ao outro colega de cela. O reflexo destes dois homens, vistos como "transgressores da sociedade", são um dos pontos mais reflexivos da peça. E há também a leve malícia presente, na forma como a narrativa arquiteta a aproximação de ambos que converge numa disposição de afeto e até de leve tensão sexual. Por tais razões, a direção assume uma proposta de colocar esses personagens como seres humanos, dotados de sensibilidade, ainda que na triste condição de "imorais", já que é um belo retrato de mundo.

Um comentário:

lula disse...

qual vai ser o valor?